Apesar das obras, é possível fazer um passeio pela Hercílio Luz, na Capital. Os vistantes precisam seguir as normas de segurança e respeitar a sinalização
Um, dois, três…1.352 passos em 14 minutos e 30 segundos. Assim se percorre a Ponte Hercílio Luz de uma ponta a outra. A visita sempre começa do lado insular. Após passar pelo escritório da Casa Comunitária, assinar o livro de controle e ouvir as instruções de um engenheiro, chega-se ao viaduto de acesso Ilha. Dali, já se tem a noção de que a ponte é muito maior do que parece quando olhada de lado, ao passar pela vizinha Colombo Salles. A caminhada segue pela passarela, de madeira, já restaurada. É comum encontrar os trabalhadores. Eles instalam andaimes e limpam peças enferrujadas, com jatos de ar comprimido.
O engenheiro Antônio Carlos Xavier, do Departamento Estadual de Infraestrurura (Deinfra), diz que a restauração não aconteceria sem o ar comprimido. Ele é essencial na limpeza das peças. Uma estação de compressão funciona no lado continental, de onde saem encanamentos que atravessam a ponte.
As barras de olhal são alcançadas no passo 287. São elas as responsáveis por sustentar a Hercílio Luz e foi uma delas, também no lado insular, que rompeu nos anos 1980. São quatro sequências de barras de cada lado, que somam 360 em toda a extensão. Durante os trabalhos de restauração do vão central, será comum ver trabalhadores sobre elas.
Mais 210 passos e o visitante está de frente para uma das quatro torres principais. Elas têm 74 metros e, dentro, comportam escadas de marinheiro pelas quais sobe-se até o ponto mais alto da Hercílio Luz. Para subir, só acompanhado de Manoel George Cruz, 33 anos, técnico em segurança do trabalho na ponte. A subida não é comum para a maioria dos visitantes. Cruz é visto durante todo o tempo no passeio. Com cabos de segurança pelo corpo (caso precise ajudar alguém), ele fica de olho nos operários e nos visitantes. Sua função é impedir situações de risco.
Contorna-se a torre, e ele está lá: o vão central. O maior entre todas as pontes suspensas por barras de olhal no mundo, 339 metros. O acesso é proibido. O alto grau de corrosão do ferro salta aos olhos. O piso é avermelhado de tão deteriorado. A estrutura de ferro não pode ser tirada sem uma grande operação de sustentação. A retirada aliviaria as tensões das barras e faria a ponte subir, o que provocaria um desabamento. No alto, um emaranhado de estruturas de ferro de cor preta, tom original da ponte. São chamadas treliças e fazem o suporte de sustentação para as barras de olhal. Se o visitante conseguir tirar os olhos do vão e virar a cabeça à direita, verá toda a baía norte.
O passo de número 986 significa entrar no viaduto de acesso ao Continente. Já recuperado, tem peças pintadas de prata. Um barulho estridente pode doer os ouvidos. São trabalhadores fazendo rebites, colocados na ponte sem solda, com a mesma técnica usada na construção. Adiante a oficina onde se fabricam as peças de ferro usadas na restauração, e a Servidão Dona Floriana, único acesso a uma comunidade com cerca de 20 casas. Vem a passada de número 1.352. O passeio chegou ao fim.
(por Cristina Vieira, DC, 21/06/2010)
Os homens da ponte
Os engenheiros Antônio Carlos Xavier, 64 anos, e Cassio Magalhães, 65 anos, passam mais tempo juntos do que muito casal. Xavier é engenheiro fiscal do Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra). Autoriza as visitas, acompanha e fiscaliza as obras. Magalhães é coordenador de execução da restauração do vão central, realizada pelo Consórcio Florianópolis Monumento (CFM).
O dia deles desenrola-se na ponte. Às vezes, até a noite. No último Réveillon, viram a queima de fogos lá de cima, observando as instalações feitas na estrutura do monumento para ter certeza de que daria tudo certo.
Ambos têm uma história de adoração pela senhora de ferro de 84 anos. Xavier nasceu em Florianópolis. Passava de ônibus pela Hercílio Luz para ir à escola e há 19 anos trabalha nela.
– Naquela época, a gente nem prestava muito atenção. Quando eu cheguei aqui no primeiro dia para trabalhar, me emocionei – conta.
Cassio parece conhecer cada pedaço de aço enferrujado. Empolga-se quando explica os detalhes da ponte, que ele considera tão especial e única. Ele é de Curitiba. Esposa e filho moram lá e, a cada 15 dias, ele viaja para ficar com a família.
O engenheiro participou da primeira etapa da obra na função de supervisor.
– Com certeza, a gente vai se emocionar no dia da inauguração – diz.
(DC, 21/06/2010)
Uma história de amor
Ivo Pelegrini tem 73 anos e 50 anos e três meses de Ponte Hercílio Luz. Sua história de amor à ponte virou o documentário, Um Pedacinho de Ferro, produzido em 2008, por alunos do curso de produtoção de vídeo da Faculdade Senac.
– A gente trabalha é para vê-la em uso, em funcionamento. Esse é nosso sonho – diz o mestre de obras.
Para Pelegrini, a ponte aguenta qualquer coisa. Só precisa receber manutenção. Ele foi uma das testemunhas do rompimento da barra de olhal, que originou a interrupção da ponte, em 1981. Enquanto trabalhava na manutenção da Hercílio Luz, ele lembra de ter ouvido um estrondo.
Para visitar
A visita é gratuita. Mas há algumas normas de segurança a serem seguidas. Os visitantes usam capacetes brancos, fornecidos pelo Deinfra no local, e devem usar botas.
A visita se limita a grupos de 20 pessoas. Para crianças menores de 10 anos, é proibida. Bandeiras nos viadutos de acesso indicam se pode ou não entrar na ponte. Isso vale para trabalhadores e visitantes. Em dia de chuva ou com ventos acima de 40km/h, a bandeira vermelha é colocada, proibindo o acesso. Nas outras datas, bandeira verde libera a entrada. Um engenheiro acompanha os visitantes.
A visita deve ser agendada pelo e-mail xavier@deinfra.sc.gov.br ou no (48) 3225-3300.
(DC, 21/06/2010)
Mistério no fundo do mar
Em março de 2010, uma inspeção sob o eixo da ponte detalhou como é o fundo do mar logo abaixo da Hercílio Luz. Um canal torna a parte central mais funda, 30 metros.
O mais surpreendente da análise foi ter encontrado o casco de um navio afundado. Ele está localizado no lado Continente, tem 29 metros de comprimento e sete metros de largura.
A suspeita é de que seja um navio paraguaio que afundou na década de 1950. O engenheiro civil Hubert Beck, 66 anos, viu o naufrágio. Ele lembra que o navio havia sido carregado com madeira e farinha, num antigo porto que funcionava na baía Sul, onde hoje fica a construtora Pioneira da Costa.
– Acho que foi em 1956. Nós estávamos no porto, porque gostávamos de ficar por ali vendo os barcos. A embarcação carregou e partiu para o Paraguai. Logo depois, virou e afundou. Foi descendo devagarinho. O pessoal ficou olhando. Ninguém se feriu – recorda.
Além do navio, outro fato curioso é que, embaixo da ponte, também há muitos aparelhos celulares.
– É incrível, mas é bem comum o pessoal deixar cair o celular durante a visita – diz o técnico em segurança do trabalho, Manoel George Cruz.
Um buraco perto de uma das bases de sustentação da ponte, feito por um mero, um dos maiores peixes brasileiros (pode chegar a 2,7 metros de comprimento) e com risco de extinção, foi visto numa inspeção de 2007. Os engenheiros acreditam que o peixe fez o buraco no vazio deixado pelo apodrecimento de madeiras, usadas na construção das bases. A inspeção também mostrou que o fundo, no lado insular, é composto por rochas. No lado continental, há uma faixa de cascalhos, provavelmente colocada ali durante as obras do aterro.
(DC, 21/06/2010)