Florianópolis, 5 abril 2025
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Biólogos questionam argumento científico usado pelo MPF na denúncia contra professores, estudantes e técnicos da UFSC

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Um artigo publicado na edição do dia 10 deste mês do "Jornal da Ciência", da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), questiona argumentos científicos utilizados pelo Ministério Público Federal (MPF) em sua denúncia contra professores, estudantes e servidores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no caso da ação policial e suas consequências, ocorrida no dia 25 de março de 2014.

O texto, intitulado “Chimpanzés, pessoas e cobras”, é assinado por oito professores das áreas de Biologia, Genética e Zootecnia da UFSC e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): André Ramos, Francisco Mauro Salzano, Horácio Schneider, Paulo Roberto Petersen Hofmann, Maria Jose Hötzel, Geison Souza Izídio e Yara Costa Netto Muniz.

A denúncia envolve 36 nomes, entre eles os da reitora Roselane Neckel, do diretor do Centro de Ciências Humanas, Paulo Pinheiro Machado, e o da vice diretora, Sônia Maluf. Na época, o delegado da PF Ildo Rosa afirmou que a polícia foi chamada pela Reitoria da UFSC para "coibir consumo e tráfico de drogas". O caso repercurtiu na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), no Ministério da Educação (MEC) e entre delegados federais. O Núcleo de Desenvolvimento Infantil da instituição, que fica próximo do local onde ocorreu o conflito, emitiu nota de repúdio à ação da PF no campus.

Os docentes questionam trecho inicial da peça do MPF, em que procuradores afirmam que “Quando professores, alunos e servidores da UFSC investiram contra a Polícia Federal, desenvolveram um comportamento primitivo comum a várias espécies, incluindo os humanos: a defesa do território. Nós, humanos, temos esta defesa programada desde os tempos em que nossos antepassados viviam em árvores. É o que mostra um relato recente sobre comportamento de grandes primatas”.

Discussão científica

Os professores destacam que, ao publicarem o artigo, não têm por objetivo "fornecer interpretações que poderiam vir a alterar as chances de os réus serem absolvidos ou condenados", nem discutir "os aspectos jurídicos da questão" ou "introduzir preciosismos teóricos (…) tampouco realizar inúteis considerações técnicas e conceituais, por puro exercício intelectual".

Segundo escrevem, "Pretendemos, tão somente, expandir e trazer luz a um argumento de cunho científico, utilizado na peça de acusação, por entendermos que tal argumento – que atribui supostas origens biológicas a comportamentos ditos violentos – distorce e compromete uma visão contemporânea da ciência".

Genética e território

No artigo, os professores questionam os trechos de livros científicos utilizados pela MPF para sustentar a afirmação de que professores, estudantes e servidores agiram da forma como agiram – com violência – para defender o seu "território" porque esta é uma disposição genética de nossa espécie, herdada dos chimpanzés.

É o que afirma a peça do MPF: “Daí se vê que a defesa do território, incluído o uso da violência, tem origem numa programação ancestral dos humanos, desde os tempos anteriores àqueles em que o Ardipithecus ramidus pouco se distinguia fisicamente de um chimpanzé.”

Os professores questionam: "Do que discordamos, é a premissa de que nossos comportamentos estão 'programados' de forma robótica, ou que são simplesmente 'herdados' de nossos ancestrais. Nenhum ser humano, nem tampouco algum outro animal, se comporta de forma programada ou totalmente determinada por seus genes, que se perpetuam de geração em geração. Todo comportamento, assim como toda característica biológica, é produto de uma complexa rede de fatores genéticos e não genéticos".

Outro conceito que os docentes questionam na ação do MPF é o de território, conceituado na ação como “uma área que é ocupada pela força, isto é, defendida de intrusos da mesma espécie (ou, às vezes, de outra)”.   

Os professores argumentam que "Autores clássicos das ciências comportamentais consideram que território se refere à área onde se encontram recursos necessários à sobrevivência, basicamente alimento e reprodução. Salvo melhor juízo, tais fatores não estavam presentes no momento do confronto entre estudantes e policiais. Sabe-se ainda que, quando tais recursos necessários à vida não são limitantes ou restritivos, os comportamentos de defesa do território são relaxados, ou seja, podem simplesmente não se manifestar. Por último, é equivocada a noção de que a defesa de território se dá sempre pela força. Esta interpretação foi mais uma escolha pessoal do autor, que poderia ter comparado o comportamento dos estudantes da UFSC a outros comportamentos de defesa de território, como por exemplo, ao canto dos pássaros de uma floresta ou à marcação do território com odores específicos, ou seja, pela emissão de sons e aromas que são perceptíveis aos indivíduos da mesma espécie".

Leia a íntegra da denúncia do MPF contra professores, estudantes e servidores da UFSC aqui.
Confira a íntegra do artigo dos professores no "Jornal da Ciência" clicando aqui.