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Florianópolis, 22 novembro 2024

Arte que vem do lixo

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É regra: quando novas, ficam escondidas; depois de velhas, vão para o lixo. Na casa do artista plástico Mauro Costa, 58 anos, há uma exceção. Lá, as vassouras têm um fim muito mais nobre. Em vez do caminhão de coleta, ganham espaço de destaque em lares do Brasil e até do mundo. Mauro transforma cabos de vassoura em esculturas bem originais.

Autodidata, o gaúcho que adotou Florianópolis há 23 anos conta que o interesse por esculpir surgiu após uma viagem que fez ao Nordeste, na década de 1970, quando viu artistas dedicando-se a esculturas de arte sacra em madeira. A ideia do cabo de vassoura, embora inovadora, possui uma explicação simples. Mauro conta que necessita da matéria-prima, mas zela pela natureza. Ao usar os cabos inutilizados, reduz lixo e economiza material. Não é raro ele acordar e, ao abrir a porta de casa, ver diversos cabos deixados pelos vizinhos.

– Para começar, me inspirei em um escultor inglês chamado Henry Moore. Os trabalhos dele também mostram expressões humanas e totens. Atualmente, a base do meu trabalho são obras africanas – comenta.

A transformação de um cabo de vassoura de madeira em obra de arte leva, no mínimo, dois dias. Sempre com o som ligado, Mauro inicia o trabalho desenhando no cabo, para talhar em cima, lixar e, se for preciso, pintar. O atelier, que ele apelidou de nave espacial, por ser um lugar onde se desliga dos “acontecimentos da Terra”, fica no Rio Vermelho, Norte da Ilha, local que, por causa do movimento de turistas, sugere “estratégias de marketing” para o artista. Além de distribuir fôlderes com seu trabalho na recepção de hotéis da região, Mauro costuma trabalhar em frente à casa para atrair a atenção de quem passa.

O preço de uma escultura feita a partir de um cabo de vassoura varia de R$ 100 a R$ 300. Ainda assim, as obras não saem com tanta facilidade. Mauro lamenta e diz que é difícil trabalhar com arte pela pouca valorização do trabalho. Apesar de esculpir com facilidade, confessa que há detalhes complicados. Para ele, a expressão das faces é o que exige mais dedicação, já que, segundo avalia, “é isso que dá vida à obra”.

Até hoje, o artista calcula que tenha feito cerca de 500 peças com os cabos recolhidos. A primeira, de 1975, ainda está guardada. Esta nunca renderá nenhum real, mas traz à tona boas lembranças. Mauro faz questão de recordar que, para fazê-la, levou cerca de um mês e gastou umas 10 lixas de unha da mãe.

Poder criar, sem compromisso de formas, é o que atrai o artista plástico na profissão que escolheu para garantir o sustento. Encomendas não o agradam, principalmente se for reprodução, por alegar que a réplica não dá emoção.

– Uma vez, me pediram para esculpir o diabo. Eu rejeitei o trabalho. Não gastaria minha energia com o ícone da maldade – garante Mauro.

(Mariana Ortiga, DC, 05/04/3009)