O arquiteto, fotógrafo e programador visual Joel Pacheco lança seu novo livro, “A Canoa Baleeira dos Açores e da Ilha de Santa Catarina”, no próximo dia 15, às 19h30, na Livrarias Catarinense do Beiramar Shopping, em Florianópolis. Depois de quatro anos de pesquisa, a obra chega com o objetivo de chamar atenção para este tipo de embarcação que está em declínio no Sul do Brasil – e tende a desaparecer rapidamente, por falta de construtores e pela dificuldade de transmissão da técnica de produção. Segundo ele, “os pescadores estão trocando pelo bote, que é mais simples e de fácil manutenção”.
Ao sair fotografando pelos arredores da Capital, em 2005, o autor sentiu-se instigado ao ver baleeiras nas praias de Cacupé, Sambaqui, Jurerê, entre outras, abandonadas nas areia, apodrecendo, com mato já crescendo por dentro delas. Teve, então, a ideia de produzir um livro na mesma linha de sua primeira publicação individual, “Florianópolis a 10ª Ilha dos Açores – O Encontro das Origens” (2004), que faz um comparativo das duas regiões, tendo os depoimentos e as primorosas imagens como condutores. “A baleeira está sendo desprezada. Penso que devemos fazer todos os esforços para que esta tradição seja passada para as gerações futuras”, diz.
Em 2007, o projeto foi aprovado na Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura (MinC), por meio da qual captou patrocínio junto à Eletrosul e à Prosul Engenharia. Partiu para o arquipélago açoriano, com apoio da Direção Regional das Comunidades do Governo da Região Autônoma dos Açores, onde empreendeu trabalho de campo por 15 dias. Entrevistou cerca de 20 pessoas nas ilhas do Faial, São Jorge e do Pico, onde há a maior concentração de baleeiras. Este ano, o livro foi contemplado com o Prêmio Elisabete Anderle, promovido pela Secretaria de Estado do Turismo, Cultura e Esporte.
Engrenagem
Perpetuar a baleeira não é apenas oferecer aos olhos curiosos a contemplação de um antigo modelo de construção naval, mas resgatar e difundir todo o valor histórico-cultural existente em seu entorno e que, indissociavelmente, vem a reboque. Ela é o único elemento ainda em uso de uma atividade econômica altamente lucrativa em séculos passados, que guiou o destino de milhares de homens nos dois continentes. Na costa catarinense, a baleação também serviu de fomento para que os povoadores açorianos atravessassem o Atlântico.
Com o advento e a expansão de outras fontes de energia e matéria-prima, a exemplo da eletricidade e do petróleo, a indústria baleeira entrou em decadência. As populações de cetáceos já estavam praticamente dizimadas no final do século XX, quando, ainda que tardiamente, passaram a ser protegidas por lei. Os caçadores guardaram seus apetrechos, que hoje são peças de museu. A canoa perdeu a função inicial, mas sobreviveu à sua reinvenção. Os pescadores artesanais aproveitaram seu navegar macio e silencioso para lançar arpões e redes em direção a outros animais marinhos. E as frágeis vítimas, presas fáceis apesar do porte colossal, continuam recebendo a visita das baleeiras, desta vez transportando turistas para observá-las e não mais seus antigos predadores.
Paralelo
Investigando o surgimento, a produção e a utilização da baleeira no arquipélago açoriano e na orla de Santa Catarina, obviamente, o arquiteto encontrou muitas semelhanças e diferenças. O excepcional projeto naval da embarcação é reconhecido por usuários, projetistas e construtores, tanto lá quanto aqui. Nos Açores, era conduzida a remo ou a vela por sete homens e considerada uma “flecha no mar”, uma “jóia”. Na Ilha de Santa Catarina, a “rainha do mar” era levada por seis remadores. Um pequeno, mas eficiente, meio de transporte para enfrentar as nuances do oceano e um animal de 60 toneladas.
As peculiaridades mais visíveis estão nas técnicas de feitio, desde a madeira até as medidas utilizadas. Porém, a desigualdade maior entre elas é, talvez, a preocupação com a própria existência. Enquanto lá elas são fabricadas a partir de plantas desenhadas, aqui são construídas “no olho”. Ter um barco inteiro dentro da cabeça pode parecer vantagem pitoresca sobre quem precisa recorrer aos projetos de engenharia para fazê-lo. Mas é aí que circunda o perigo do afundamento de uma tradição secular, já que não há documentos navais que ensinem a produzir a baleeira catarinense, nem gerações posteriores interessadas em aprender.
O Governo da Região Autônoma dos Açores incentiva a produção de baleeiras, concede benefícios, pois são tombadas. Lá, as novas embarcações só podem ser construídas baseadas em projeto de uma canoa que já existiu. O batismo é uma solenidade prestigiada por autoridades, com bênção do padre e seguida de festa. São patrimônios dos clubes náuticos, juntas de freguesia e de particulares. Para elas, ao longo do ano, são organizadas diversas regatas, com a participação de moradores de todas as nove ilhas.
Em Florianópolis, onde ainda se encontram velhos estaleiros, em especial no distrito do Ribeirão da Ilha, os últimos mestres-construtores estão no fim da vida, e dificilmente se encontra um jovem que saiba confeccioná-la. “Quero despertar o interesse pela preservação de uma identidade cultural com influência açoriana, mostrando as particularidades dessas embarcações e contribuindo para semear a conscientização sobre nossos bens culturais”, pretende Joel.
Produto valioso
Este tipo de canoa, no arquipélago açoriano, foi utilizado na captura das baleias cachalote, cujo óleo era utilizado para prover iluminação, lubrificar máquinas e com fins medicinais. O extrativismo animal era de alta rentabilidade entre os séculos XVII e XIX, sendo desenvolvido também na costa brasileira, haja vista a grande quantidade de cetáceos das espécies jubarte e franca, que ainda vêm amamentar seus filhotes em águas mais quentes na época de inverno.
A presença deles fez com que Portugal decretasse o gigante marinho como “peixe-real, propriedade da coroa”, agregando grande valor comercial e monopolizando a indústria da baleação. O óleo era indispensável para as capitanias, iluminando toda a sua orla, já em meados 1650. No Brasil, também servia para dissolver o breu para vedar barcos e como aglutinante de argamassa na construção civil e militar.
Em águas catarinas
Em Santa Catarina , a incidência de baleias francas, espécie muito dócil e fácil de abater, moveu o rei de Portugal a organizar a atividade na região, sendo também uma forma de ocupar o território com as famílias dos experientes baleeiros açorianos. A partir do século XVIII, foram erguidas seis armações, empreendimentos que formavam pequenos núcleos urbanos, com a casa da administração, casa (campanha) dos baleeiros, senzalas, casa dos feitores, hospital e botica, capela, casa do capelão, ferraria, armazéns, engenho de frigir, casas dos tanques de salgamento, armazém das canoas, além de engenhos de açúcar e farinha de subsistência.
A primeira foi a Armação Grande ou de Nossa Senhora da Piedade, iniciada 1741, na praia da Armação da Piedade, em Governador Celso Ramos. A segunda, a Armação das Lagoinhas, foi fundada em 1772, na praia da Armação, ao Sul da Ilha de Santa Catarina, tendo em frente a Ilha do Campeche como posto de emergência. Em seguida, em 1778, finalizou-se a Armação de São João de Itapocoroy, na praia da Armação, em Penha. Em 1795, concluiu-se a Armação de São Joaquim de Garopaba, complementada no ano seguinte com a Armação San’Anna de Imbituba. Por fim, para complementar a de Itapocoroy, fundou-se a Armação da Ilha da Graça, em São Francisco do Sul.
Museus e turismo de observação
Em dois destes municípios, cita Joel, estão localizados importantes museus do continente relacionados ao assunto. Ao Norte, o Museu Nacional do Mar, em São Francisco do Sul, com o mais rico acervo sobre embarcações da América Latina, incluindo uma baleeira que o navegador Amyr Klink adquiriu do mestre-construtor Alécio Heidenreich, no Ribeirão da Ilha de Santa Catarina, ainda inacabada, exatamente para mostrar com é feita.
E, ao Sul, o Museu da Baleia de Imbituba, no sítio histórico da última estação baleeira do Brasil, na praia do Porto, onde, em 1973, foi capturada o derradeiro cetáceo no País. Ele é o primeiro da América do Sul a reunir informações sobre a saga destes animais, conferindo à cidade reconhecimento como a capital brasileira de conservação das baleias. “Busco, também, a propagação da preservação e educação ambiental, baseada no turismo de observação de baleias (whale watching), fato que já vem se desenvolvendo com harmonia, no litoral catarinense”.
O trabalho de conscientização e preservação iniciou-se em 1982, por ambientalistas voluntários que criaram o Projeto Baleia Franca, culminando com o decreto federal de 14 de setembro de 2000, que cria a Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca no Estado: uma extensão marinha de 156.100 hectares entre a Ilha de Santa Catarina e Arroio do Silva, no município de Içara. Hoje, a “caça a baleia é um interessante programa turístico, feito com filmadoras e máquinas fotográficas e que, além da observação dos cetáceos, tem roteiro diversificado, englobando contemplação de belezas naturais e atrativos histórico-culturais”, completa o pesquisador.
Sobre o autor
Nascido em Florianópolis, Joel Pacheco morou com a família nas proximidades do Forte Santana, sob a Ponte Hercílio Luz, entre os seis e 13 anos. O local, identificado como importante sítio arqueológico, também guarda as lembranças do antigo estaleiro Arataca. Foi neste ambiente que ele cresceu, entre ranchos de pescadores, brincando de jogar cacos de cerâmica no mar e soltando seus barquinhos de papel, madeira ou lata – o mais sofisticado.
Em meados da década de 1970, os moradores se mudaram da área em função do tombamento histórico e da construção da Avenida Beira-Mar Norte. Mas, Joel continuou pelas redondezas. Durante cinco anos, foi atleta do Clube Náutico Francisco Martinelli, com sede a poucos metros dali, remando por trajeto até 10 quilômetros . Ao Norte, até a Ilha dos Guarás; ao Sul, até as proximidades do aeroporto. Muitas vezes, os remadores eram acompanhados pelo treinador, coincidentemente, a bordo de uma baleeira.
Arquiteto, fotógrafo, programador visual e pesquisador de temas como paisagem, etnografia e cultura popular, em 2004, lançou o livro “Florianópolis a 10ª Ilha dos Açores – O Encontro das Origens” (2004). Participou também como autor e co-autor de projetos e pesquisas vinculadas ao patrimônio cultural em Florianópolis e Açores/Portugal e ainda de diversos projetos gráficos: “Transporte Coletivo em Florianópolis” (livro); “Florianópolis Memória Urbana” (livro); “Atlas do Município de Florianópolis” (livro); “Fortalezas em Santa Catarina ” (obra em CD ROM ); “Guia Digital, Caminhos e Trilhas de Florianópolis” (livro e CD ROM); “Fortes da Cidade”; “Roteiros do Ambiente”; “Circuito Cultural de Florianópolis”; “Construir Cultura” (livro). Realizou várias exposições fotográficas e publicou diversas séries de imagens em livros, revistas, cartões postais e telefônicos no Brasil, Portugal e Canadá.
Ficha técnica
Com apresentação da deputada Alzira Maria Serpa e Silva, ex-diretora das comunidades do Governo da Região Autônoma dos Açores, prefácio do arquiteto Dalmo Vieira Filho, diretor do Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e orelha assinada pelo professor Nereu do Valle Pereira, a edição bilíngue português/inglês tem 208 páginas ilustradas por 500 fotografias, desenhos e mapas.
Como fonte de pesquisa, o autor consultou bibliografia nacional, portuguesa e americana, além de entrevistar mestres-construtores, antigos caçadores de baleias, pescadores, biólogos da área de observação de cetáceos, tanto do Brasil como dos Açores. Os tópicos abordam as primeiras embarcações utilizadas pela humanidade, a ligação de Joel Pacheco com o mar, a comparação entre as duas regiões quanto à história da baleação, a construção e utilização da canoa baleeira, o turismo de observação de baleias, os museus de baleação e embarcações, além de depoimentos de pescadores e construtores daqui e de lá.
Impresso na gráfica Impressul, em Jaraguá do Sul (SC), o miolo é em papel couchê fosco de 170 gramas , com acabamento de costura e impressão em off-set. O formato fechado do livro é de 28cm x 28cm, com lombada quadrada, capa dura em papelão pinho e sobrecapa com orelha e laminação fosca. Totalmente colorida, é uma edição própria do autor, saindo com uma tiragem de três mil exemplares, sendo 10% deles reservados para doação a bibliotecas do País. Alguns exemplares serão destinados aos Açores.
A obra, que fascina pela riqueza de informações e pela acuidade visual, é de interesse de estudantes, ambientalistas, pescadores, turistas, historiadores, geógrafos, engenheiros, curiosos e também crianças. Nas páginas finais, se ensina a fazer uma pequena baleia de origami. O exemplar custa R$ 90,00. Na noite de lançamento, excepcionalmente, o valor cobrado será R$ 60,00.
Serviço
*O que: coquetel de lançamento do livro “A Canoa Baleeira dos Açores e da Ilha de Santa Catarina”, do arquiteto, fotógrafo, programador visual e pesquisador Joel Pacheco.
*Quando: dia 15 de dezembro de 2009, terça-feira, às 19h30.
*Onde: Livrarias Catarinense do Beiramar Shopping, Florianópolis.
*Quanto: R$ 60,00, no dia do lançamento. Depois, R$ 90,00.
*Mais: na noite de autógrafos, estarão expostos um barquinho de lata e uma baleia de origami feitos pelo próprio autor; duas miniaturas de baleeira (uma açoriana, outra catarinense), confeccionadas pelo mestre artesão Leandro Mello Menghini, de São José; um banner explicativo e cinco fotografias de cada região que integram o livro, ampliadas em 35cm x 45cm.