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Florianópolis, 25 novembro 2024
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Maricultores de Florianópolis apostam em delivery durante a pandemia

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Com ajuda do Senar, setor busca organizar a cadeia produtiva de olho no mercado externo

As fazendas marinhas Portal da Ostra e Bela Ostra estão localizadas na região onde são produzidas a maior quantidade de ostras que abastece o mercado nacional: Caieira da Barra do Sul, extremo Sul de Florianópolis, ao lado do Ribeirão da Ilha. A produção local ajuda o Estado a manter o status de maior produtor de moluscos de cultivo do Brasil (ostras, mexilhões e vieiras): 98% da produção do País é do litoral catarinense.

O setor mantém um crescimento constante desde 2013, porém, neste ano, viu a crise sanitária reduzir a comercialização em 50% e acentuar a necessidade de melhor estruturação da cadeia produtiva para alçar novos mercados. Trabalho este que tem sido o foco de atuação do programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), órgão vinculado à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc). O programa atende 26 maricultores dos municípios de Florianópolis, Palhoça e Bombinhas, responsáveis pela produção de aproximadamente 1.500 toneladas de mexilhões e 900.000 dúzias de ostras.

Entre os produtores assistidos estão as duas fazendas marinhas da Caieira da Barra do Sul. Foi por meio da ATeG iniciada em 2018 que os maricultores receberam auxílio técnico para organizar a produção, melhorar o cultivo, reduzir custos, planejar e desenvolver a cadeia produtiva. Neste ano que marca o encerramento da assistência técnica e gerencial para a segunda turma, o desafio dos produtores foi manter as vendas em meio a pandemia do novo coronavírus que afetou a comercialização por atacado. Uma das soluções foi o investimento em delivery. Tanto o Portal das Ostras quanto a Bela Ostra disponibilizaram o serviço, com divulgação nas redes sociais e entrega semanais dentro e fora da Ilha.

“É uma alternativa para mantermos a atividade e garantirmos saída ao produto, porém as vendas são pequenas ainda. Fazemos entregas aos sábados pela manhã dentro da Ilha. Vendemos muito para São Paulo, via transporte aéreo, mas com a pandemia, tudo foi paralisado. Esperamos retomar aos poucos”, conta Ariane Lopes, filha de Devaldi José Lopes, proprietários da fazenda marinha Portal das Ostras, que cultiva 300.000 dúzias do molusco por safra/ano.

A Bela Ostra faz duas entregas por semana, segundas e sextas e atende em torno de 20 pedidos semanais, com pacotes de cinco e de duas dúzias e solicitação mínima de cinco dúzias. “Estamos vendendo bem, mas claro que ainda é pouco quando comparado com produtos que já estão inseridos no prato dos brasileiros”, sublinha Gabriela de Almeida, que ao lado do marido Felipe Malagoli e do pai José de Almeida comandam a fazenda marinha que produz 15.000 dúzias por safra.

PRODUTIVIDADE AUMENTA

O técnico do Senar/SC, engenheiro de Aquicultura, responsável pela ATeG maricultura, Rafael Costa, destaca que a maior organização e o melhor planejamento dos produtores mantiveram os negócios sólidos durante a crise. Segundo ele, a cadeia tem conquistado melhora significativa na regularização das áreas aquícolas, na obtenção dos selos de inspeção sanitária, no aumento do preço dos produtos comercializados e na gestão das fazendas marinhas. O resultado foi o aumento médio da produção dos maricultores assistidos entre 20 e 30% por ano.

“Numa escala evolutiva, vemos o cultivo de moluscos sendo uma atividade lucrativa desde que tenha uma organização interna e um foco definido na comercialização dos produtos. Esse processo demanda planejamentos baseados em dados produtivos confiáveis”, destaca Rafael ao citar que a gestão e a inovação tecnológica respondem pela maior rentabilidade no setor.

Investimentos estes que as duas fazendas marinhas do extremo sul da Ilha fizeram. Aos 22 anos, Ariane Lopes assumiu a gerência do Portal das Ostras e com o auxílio do técnico da ATeG, implantou sistema de controle de dados e fluxo de caixa. A partir do plano de manejo, a fazenda começou a fazer análise da taxa de mortalidade dos moluscos bivalves nos diferentes estágios de crescimento (sementes, juvenis e adultos), reativou o Selo de Inspeção Municipal e aumentou o preço do produto comercializado. Outro diferencial foi o investimento em mecanização que resultou na padronização e na agilidade do manejo.

“A utilização de máquinas de seleção de ostras diminui o custo de mão de obra e otimiza tempo”, explica o técnico ao ressaltar que a fazenda também construiu uma nova unidade de beneficiamento de moluscos, setorizando as etapas pós-despesca e garantido certificação sanitária.

“Antes do programa, não tínhamos controle de receitas e despesas, nem dados do manejo. Com a ATeG, organizamos a gestão e conseguimos visualizar e planejar melhor nossa produção. O aumento no preço do milheiro de 2018 a 2020 foi de 30% das sementes de ostras e o preço de venda aumentou 67% no período”, detalha Ariane.

EMPREENDEDORES

O mesmo aconteceu com Gabriela (34 anos) e Felipe (35). Ela largou o emprego fixo em um cartório da cidade e ele o trabalho de vendedor de material elétrico para investirem na maricultura, profissão do pai de Gabriela. Em dois anos, investiram em equipamentos (máquina para lavar ostras, cabos e flutuadores), conseguiram dobrar a produção e comprar embarcação e carro próprios.

“Se não contássemos os investimentos que fizemos no período, certamente estaríamos agora com renda bem superior aos antigos empregos. Valeu a pena, especialmente porque gostamos do que fazemos. Com ajuda da ATeG, conseguimos melhorar a gestão, visualizarmos outros mercados e aumentarmos a produção”, afirma Gabriela ao ressaltar que o valor de venda por atacado aumentou 100% de 2018 para 2020 para ostras comercializadas como “não lavadas – brutas” e 67% para as ostras lavadas. No varejo, o aumento nas vendas por delivery e no próprio rancho foi de 50%. A meta da família agora é investir em nova área de cultivo e em um entreposto no terreno.

O técnico Rafael Costa grifa que a atuação dos jovens na maricultura traz avanços para o setor. No programa, 73% das fazendas assistidas são comandadas por esta faixa etária. “Eles vêm com pensamento tecnológico, mente aberta e digital, querendo investir no negócio como empresa, não como hobby. Esse é o caminho para profissionalizar a atividade e torná-la mais rentável e competitiva”.

DESAFIOS DO SETOR

A maricultura catarinense tem potencial para expansão, especialmente para o mercado externo, porém esbarra em entraves que limitam o setor. A falta de legislação específica para a atividade e de crédito bancário direcionado aos produtores são alguns dos desafios enfrentados.

“A legislação tem colocado a pesca e aquicultura juntas e são atividades diferentes que necessitam de créditos e regulamentações específicas. Na maricultura é possível ter controle de todo o processo produtivo e planejar a produção com maior garantia de fornecimento e padronização do produto a ser comercializado. Enquanto na maricultura, a gente cultiva, na pesca a gente extrai. É preciso diferenciar as atividades”, argumenta Rafael Costa.

A burocratização na comercialização dos produtos e na obtenção de novas áreas aquícolas também atrasam a competitividade do setor. Hoje os produtores não têm como expandir a área cultivada porque precisam passar por processo moroso de cessão do uso do mar para deferir o pedido após passar por várias instâncias no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), Marinha do Brasil e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

A falta de legislação específica e mais simples para a maricultura também torna a comercialização legal dos moluscos bivalves bem onerosa para muitos produtores. Para comercializar molusco vivo hoje é preciso apresentar Guias de Trânsito Animal (GTA), à exemplo da bovinocultura, e construir uma unidade de processamento em outro local, distante do rancho, o que inviabiliza a ampliação por parte da maioria dos produtores.

“É uma desconexão com a atividade. Mas é possível melhorar e resolver de forma simples”, projeta o engenheiro ao listar a falta de fiscalização referente as áreas aquícolas e à sanidade dos produtos como outro desafio.

“Antes de pensarmos em exportação, precisamos organizar e profissionalizar o mercado interno. Há 10 anos, sobravam moluscos no Estado e nos últimos três está faltando. O Brasil importa moluscos de outros países para suprir a demanda interna, devido à dificuldade na comercialização dos produtos e na organização do setor”, lança Rafael.

A visão é compartilhada pela coordenadora estadual da ATeG, Paula Araújo Dias Coimbra Nunes, que aposta no programa como parte da solução do setor. “A assistência técnica e gerencial é o caminho para organizarmos melhor a cadeia e atendermos às demandas do sistema produtivo. São os técnicos e os maricultores que conhecem de perto as carências e as potencialidades da atividade e que podem desenvolver e executar as melhorias”.

MERCADO

De acordo com dados da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), a produção catarinense de moluscos é de 14,2 mil toneladas anuais e envolve 492 produtores. A movimentação financeira bruta supera R$ 71 milhões por ano, com 54,5% do montante de mexilhões (R$38,8 milhões), 45,3% de ostras (R$32,3 milhões) e 0,24% de vieiras (R$17.200).

O presidente do Sistema Faesc/Senar-SC, José Zeferino Pedrozo, destaca que os números mostram a força da maricultura catarinense e colocam o setor em evidência no mercado nacional. “Precisamos pensar grande, profissionalizar a cadeia e nos tornarmos mais competitivos. No nosso Estado, o leite e a maricultura são as duas produções com grande potencial para conquistar o mercado externo e melhorar a rentabilidade dos produtores e a relevância do setor”.

De acordo com o superintendente do Senar/SC, Gilmar Zanluchi, a assistência técnica e gerencial é fundamental para a maior qualificação e produtividade da cadeia. “Queremos ampliar o número de maricultores assistidos para que o programa auxilie o Estado na melhora dos índices econômicos e da qualidade de vida dos produtores”.