A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) publicou um texto em seu site oficial sobre o falecimento do escritor Salim Miguel, ocorrido na última sexta-feira, 22, em Brasília. Salim dirigiu de 1983 a 1991 a Editora da UFSC.
O texto da Universidade conta um pouco da trajetória do escritor que nasceu no Líbano, mas veio ainda criança para o Brasil. Confira abaixo o material na íntegra. Para ler diretamente na página da UFSC, clique aqui.
"Líbano, 30 de janeiro de 1924. Brasil, 22 de abril de 2016. Em comum entre esses dois países e essas duas datas um nome: Salim Miguel, romancista, contista, um jornalista cirúrgico nas palavras, inovador nas reportagens da extinta revista Manchete e que marcou época como crítico literário nas páginas do Jornal do Brasil nas décadas de 1970 e 1980.
Salim Miguel faleceu aos 92 anos na noite desta sexta-feira em Brasília, onde estava internado em UTI desde o dia 7, para tratar uma broncopneumonia. Nos últimos dez dias, estava em coma, contrariando um de seus desejos: que não estivesse inconsciente até chegar a hora de sua morte. Estava com a saúde debilitada há anos e em 2012 já havia chegado a ficar em coma após uma queda em casa, mas se recuperou. O corpo do artista deve ser cremado em Brasília e depois as cinzas trazidas a Florianópolis para as homenagens póstumas.
Nascido em Kfarssouron, Salim Miguel chegou com três anos de idade ao Rio de Janeiro, cidade onde morou com a família durante um ano. Mas o destino estava (sem trocadilho) escrito: após morar em São Pedro de Alcântara e Antônio Carlos, em Santa Catarina, sua família fixou residência em Biguaçu, onde se estabeleceu com um pequeno comércio.
Desde cedo, Salim lia tudo o que lhe caía nas mãos, dos folhetins de Michael Zevaco a Eça de Queiroz, passando por Arthur Schopenhauer e Machado de Assis. Na venda do pai, conheceu figuras que mais tarde viraram personagens de seus romances, e na livraria de João Mendes, poeta cego de Biguaçu, passava horas lendo em voz alta para manter o livreiro ligado ao mundo da literatura.
Ele foi um dos líderes do movimento conhecido como Grupo Sul, que agitou a vida cultural de Florianópolis de 1947 e 1958. Entre 1957 e 1958, escreveu, em parceria com sua mulher Eglê Malheiros, o argumento e o roteiro do primeiro longa-metragem catarinense, “O preço da ilusão”.
Em 1964, foi preso (“para averiguações”) pelos militares e retido no quartel da Polícia Militar por 48 dias. Na prisão, Salim registrou em um diário que, trinta anos mais tarde, se transformou em um trabalho de ficção: “Primeiro de abril: narrativas da cadeia”, eleito em 1994 o melhor romance do ano pela União Brasileira de Escritores.
Libertado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Agência Nacional, nas revistas Fatos e Fotos e Tendências e na adaptação de livros para roteiros de cinema (casos de “A cartomante”, de Machado, e “Fogo Morto”, de José Lins do Rego), ambos com Eglê Malheiros e Marcos Farias.
Ainda no Rio, Salim editou, ao lado de Eglê, Cícero Sandroni, Fausto Cunha e Laura Sandroni, a revista Ficções, que se tornou referência no jornalismo literário brasileiro. De volta a Santa Catarina, em 1980, ajudou a organizar, para o governo do Estado, o Prêmio Nacional Cruz e Souza, o mais importante do País à época. De 1983 a 1991, dirigiu a Editora da UFSC, e em 1996 assumiu a superintendência da Fundação Franklin Cascaes, onde lutou para criar uma política cultural em Florianópolis.
Em 1951, “Velhice e outros contos” foi o primeiro dos mais de trinta títulos que integram a sua bibliografia, entre eles “A morte do tenente e outras mortes”, “Vida Breve de Sezefreno das Neves”, “Mare Nostrum” e “Nur na Escuridão”.
Doutor honoris causa pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2002, ano em que ganhou o Prêmio Juca Pato de intelectual do ano, Salim dirigiu de 1983 a 1991 a Editora da UFSC, fazendo com que ele se tornasse referência no País. Em 1993 assumiu o papel de gestor da Fundação Franklin Cascaes, ajudando a criar políticas culturais para Florianópolis. Em 2009, a Academia Brasileira de Letras reconheceu sua obra com o prêmio Machado de Assis.
“Salim é um homem de ação, sempre envolvido em projetos que concretiza com primazia. Intelectual inquieto e multifacetado, é um humanista que tem utilizado a palavra como instrumento na construção de uma sociedade mais tolerante e solidária, em que a liberdade de imaginar e de nos reinventarmos constantemente possa nos tornar mais conscientes e responsáveis por nossas escolhas”, escreveu a pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da UFSC, Luciana Rassier, doutora em Literatura pela Universidade de Montpellier, na França e tradutora do romance “Primeiro de Abril” para a editora parisiense L’Harmattan.
Em Florianópolis, UFSC e UDESC deram o tom do reconhecimento ao escritor e sua mulher. A primeira com a Sala de Leitura Salim Miguel, destinada aos pacientes internados ou não, seus acompanhantes e servidores lotados no HU, com o objetivo de contribuir com a humanização hospitalar e incentivar o gosto e o hábito da leitura. A segunda com o Espaço Eglê Malheiros & Salim Miguel, um local em frente à Praça Getúlio Vargas, no Centro da cidade, para consulta de materiais históricos e culturais."
Em 2012, o cineasta Zeca Pires lançou “Salim na Intimidade – Maktub”. A TV UFSC fez matéria sobre o lançamento:
Salim também participou, em 2011, do programa UFSC Entrevista: