Carlos Gardel. Foto divulgação |
O próximo filme do Ciclo de Cinema Argentino – entre gaúchos e compadritos será exibido nesta quarta-feira, 24/6, às 16h, no Auditório Henrique Fontes, do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC. ´Tangos, o exílio de Gardel`, do diretor Fernando Solanas foi estreado em 1985, com a Argentina saindo de uma terrível ditadura imposta pelos militares. O diretor é Solanas, que já era um cineasta dos mais conceituados no país vizinho, e lidera um grupo de artistas que pioneiramente começam a fazer um balanço daqueles “anos de chumbo”, mal haviam eles acabado.
Ao contrário do que costumam argumentar certas figuras tupiniquins, sempre buscando justificar o injustificável, trata-se de um filme criado no calor da hora, quase sem nenhuma perspectiva
histórica dos acontecimentos que inundaram de sangue a Argentina. E o que é mais significativo, feito sem nenhuma gota de rancor, muito pelo contrário.
Percebe-se no filme um profundo e cálido sentimento de solidariedade para com um país que se encontrava em frangalhos do ponto de vista afetivo e emocional. Contagia, também, por ser uma criação estética que, apesar da dureza e mesmo da tragédia dos temas que trata, não perde nunca o sentido do humor diante dos acontecimentos, por pior que eles sejam. O que não deixa de ser um avanço admirável em termos do comportamento argentino em geral, tão propício a altas temperaturas, difíceis de serem mantidas e suportadas nestes tempos gelados da pós-modernidade.
O filme de Solanas, composto por uma equipe afinadíssima de artistas, incluindo figuras geniais como Piazzolla e um dos maiores cantores de tango jamais vistos, Roberto Goyeneche, consegue atingir um equilíbrio surpreendente entre a indignação típica daquele gaucho argentino, que teve no Martin Fierro sua mais perfeita representação, e a picardia portenha tão pouco conhecida fora da Argentina. É bom lembrar que o habitante de Buenos Aires, muitas vezes, é compreendido de forma algo redutora, quando visto apenas pelo viés melodramático tão difundido pelo tango. Melhor
dizendo, por um determinado tipo de tango.
Quanto aos acontecimentos dramáticos, são difíceis de resumir, ao mesmo tempo em que o enredo básico é muito simples, já que corresponde a um grupo de artistas argentinos que se refugiam em Paris, em torno de 1980, como forma de fazer frente aos duros tempos da ditadura. E lá enfrentam todas as dificuldades típicas que assolam os latino-americanos para se estabelecerem nos chamados países do primeiro mundo. No caso, tentam encenar em Paris o que chamam de uma tanguedia, intitulada justamente El exílio de Gardel, o mesmo título do filme que estamos vendo, o que sugere, ou melhor, explicita mesmo a estrutura em espelho do filme. Há outros espelhamentos interessantes que poderão ser conferidos.
O título em si já se constituía em uma afronta à ditadura do general Videla, já que, como se sabe, Gardel, o símbolo maior da Argentina, nunca esteve exilado. O fato gera um dos momentos mais dramáticos do filme, quando algumas cenas da tanguedia são
vistas por personalidades argentinas de passagem por Paris. Personalidades, claro, vinculadas ao regime militar do momento, e que se retiram no meio do ensaio aberto, indignadas com a “mentira histórica”. Claro, a mensagem da tanguedia e, por espelhamento, do próprio filme que assistimos, é explícita: se o maior ídolo do país encontra-se exilado, todo o país está no exílio. Não importa se o fato ocorreu ou não, se Gardel esteve alguma vez exilado ou não. Trata-se de uma metáfora evidente, mas sabemos todos os simpatizantes desse tipo de governo não costumam primar pela inteligência.
Enfim, o que realmente importa é que “os filhos de Gardel”, naquele momento – 1980 – estavam, ou se sentiam, exilados, mesmo que estivessem em Buenos Aires ou qualquer outro lugar do país. Por isso, aliás, que a tanguedia é composta a quatro mãos por Juan Uno e Juan Dos, que se comunicam por telefone e tentam levar adiante, e concluir, uma confusa peça musical “que não encontra o seu final”, numa clara alusão ao pesadelo que estavam vivendo não poucos argentinos.
Para concluir: de certa forma, e pelos motivos expostos no início, pode ser mais importante para nós, brasileiros, assistir a esse filme hoje do que para os argentinos. Pelo menos no que se refere ao que um narrador machadiano chamaria sutilmente de “capítulo dos tapetes”. Ou, mais grosseiramente, como talvez deva ser o caso, do “capítulo revisão histórica decente.”
O Ciclo de Cinema Argentino – entre gaúchos e compadritos é organizado pelo Núcleo Juan Carlos Onetti de Estudos Literários Latino-Americanos . Tem apoio do Instituto Cervantes, Programa de Pós-Graduação em Literatura e Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE).
Por Cláudio Celso Alano da Cruz / Professor de Literatura da UFSC
Mais informações: (48) 37219288 – Ramal: 203