Até julho deve estar concluída a Biblioteca Comunitária do Centro Cultural Escrava Anastácia, localizada no Balneário Estreito, em Florianópolis, que começou a ser construída com recursos destinados pelo Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina (MPT-SC). O Projeto tem como objetivo valorizar a literatura e a cultura afro-brasileira, visando impactar não só a comunidade local, mas também pessoas de outras regiões e estados, à medida que será a primeira biblioteca comunitária de Santa Catarina e uma das únicas do Brasil composta por acervo exclusivo de autores e autoras negras.
A área de aproximadamente 50m² onde antes funcionavam os setores administrativo e financeiro da Instituição vai abrigar o espaço idealizado para beneficiar diretamente 230 jovens entre 14 e 24 anos de idade, atendidos nos programas Rito de Passagem e Jovem Aprendiz, prioritariamente negros, de famílias com baixa renda familiar e moradores de comunidades socialmente vulneráveis, além de moradores da Grande Florianópolis e de outras cidades do Estado. O local também será palco de apresentações e lançamentos de obras, outras atividades relacionadas ao acervo literário ou ao principal tema da biblioteca, que é a valorização da cultura literária afrodescendente brasileira.
Fachada do CCEA
Futura Biblioteca Comunitária
O Projeto está orçado em R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais). A primeira parte, R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) que compreende a reforma da sala, a aquisição do mobiliário e acessórios para a recepção, equipamentos e estrutura audiovisual e galeria, construção dos banheiros e lavanderia, foi repassado pelo Procurador do Trabalho Luciano Carlesso ao Presidente do CCEA, Mário Barbosa. A doação marca o Dia 21 de Março – Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. Faltam recursos para completar os custos com a obra física e mais R$ 60.000,00 para a aquisição do acervo que o MPT-SC espera repassar em breve.
Mário (à esquerda) e procurador Luciano (à direita)
No projeto da biblioteca cadastrado na PRT12 para a solicitação das verbas, os autores lembram que a longo de mais de três séculos, o Brasil foi o maior destino de tráfico de africanos no mundo. Há apenas 134 anos, o último país da América, colocava fim à escravidão. A libertação das pessoas escravizadas não se deu por generosidade, mas por diversos fatores como pressões políticas externas, exaustão do modelo econômico baseado no trabalho escravo, ao movimento popular abolicionista, mas principalmente às revoltas do povo negro durante décadas, que travou uma luta incessante de resistência e busca pela liberdade. Hoje em dia negros e negras representam mais da metade da população no Brasil, no entanto essa maioria quantitativa é minoria no que tange a acessos e direitos, e segue resistindo e lutando assim como em outras partes do mundo.
Segundo o IBGE, 54% da população brasileira é negra, mas apenas 27% dos cargos legislativos são ocupadas por negros. Quando se trata das mulheres negras o quadro é ainda mais crítico, pois elas representam 28% da população e apenas 2% no Congresso Nacional.
Na área acadêmica e no setor editorial a realidade não é diferente, a intelectualidade negra tem sido historicamente relegada à invisibilidade no processo de produção do conhecimento.
Para o procurador Carlesso, apoiar a iniciativa do CCEA na concretização da biblioteca, é dar oportunidades não apenas para valorizar, incentivar e resgatar a cultura afrodescendente, mas “possibilitar a ação e reflexão no enfrentamento do racismo, opressão e exclusões existentes em nossa sociedade, já que por meio de atuações culturais se alcança o engajamento na luta contra os privilégios da branquitude, pois o que precisamos é dar voz e vez à população negra em todos os espaços, formas e setores da sociedade”.
O projeto da biblioteca, segundo Mário, pretende demonstrar que o enfrentamento ao racismo e a discriminação racial depende fundamentalmente de ações práticas que envolvam a sociedade, os indivíduos, as estruturas estatais e o setor econômico. “ A biblioteca representa um sonho de criação de novas possibilidades de imaginar o Brasil, de que crianças e jovens negros e negras possam se ver como protagonistas e autores de suas próprias histórias e da história desse país que é também negra e africana”, comemora.
A inauguração da biblioteca está prevista para o dia 25 de julho – Dia nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, mês em que o CCEA completa 25 anos de existência.